Nos meses de setembro e outubro, os eventos do El Niño e aumento da temperatura do oceano Atlântico provocaram uma extensa seca prolongada na região Amazônica impactando os três pilares da sustentabilidade.
A Bacia Hidrográfica da Amazônia é a maior do mundo e representa 20% da água doce da Terra, mesmo assim ela apresenta fenômenos de seca e cheia cíclicas. Geralmente o período de chuvas nessa região se estende de Novembro a Março, sendo que o período de seca ocorre entre os meses de Maio e Setembro. Tendo como meses de transição Abril e Outubro.
Apesar de estarmos em um mês de transição, alguns fatores intensificaram o período de seca este ano, como por exemplo: o efeito do El Niño e o atípico aumento de temperatura no Oceano Atlântico. Dentre os 62 munícipios do Amazonas apenas três não estão em estado de emergência. Além disso, 38 rios dessa bacia estão passando pela estiagem e a maior preocupação está nos três grandes rios: Madeira, Negro e Solimões.
O rio Madeira apresenta 1,5 mil quilômetros de extensão de água, os quais foram substituídos por uma paisagem semelhante ao deserto. Devido a essa queda expressiva no nível do rio, a usina hidrelétrica Santo Antônio, localizada em Rondônia, esteve paralisada durante duas semanas.
O rio Negro é o sétimo maior do mundo em termos de volume de água e ele apresentou seu registro mais baixo no dia 16 de outubro com uma vazante de 13,59m. Embora seja um dado alarmante, em 2010 o rio atingiu uma vazante similar com 13,63m.
Anteriormente a estiagem atual, o rio Solimões também apresentou seu menor nível em 2010 com o registro de 3,92m, nesse mês de outubro registrou foi de 3,61m segundo dados do SGB (Serviço Geológico do Brasil). Ainda que o rio Solimões nasça no Peru, ele percorre 24 cidades no estado do Amazonas. Sendo que em Manaus ocorre o Encontro das águas, onde ele se junta ao rio Negro dando forma ao rio Amazonas.
CAUSA
Essa cascata de eventos se deu principalmente por conta do fenômeno cíclico do El Niño e a singular elevação de temperatura do Oceano Atlântico.
Destrinchando esses eventos, entende-se que o El Niño é responsável pelo aquecimento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico. Esse desequilíbrio de temperatura afeta diretamente nos regimes de chuva ao redor do planeta, inclusive na região Amazônica, onde ocorre redução na umidade e escassez de chuva.
Embora seja considerado um aquecimento anormal, esse fenômeno ocorre a cada dois e sete anos e é alternado com a La Niña, evento que resfria o oceano. A diretora substituta do CEMADEN (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), Regina Alvalá ainda aponta que “Em termos gerais, há o transporte de umidade pelos ventos, sobretudo na região sul da América do Sul. Com mais vapor de água na atmosfera, há mais chuvas na região sul do Brasil e, consequentemente, menos chuvas no norte do país”.
Assim como o El Niño, o aumento da temperatura no Oceano Atlântico também reduziu o acúmulo de chuva dessa região. Posto que muitos estão atribuindo essa estiagem as mudanças climáticas causadas pelo homem, o pesquisador e meteorologista Giovanni Dolif afirma que ainda não é possível realizar tal associação.
Sem levar em conta os eventos cíclicos e naturais dessa região, existem alguns fatores que contribuem para uma amplificação dessa estiagem e seus impactos. Dentre eles podemos citar o crescente desmatamento, que influência no acréscimo de temperatura e limita a capacidade de regulação climática e retenção de umidade na floresta. Isso ocorre, pois um número reduzido de vegetação incita em uma área menor de evapotranspiração, processo crucial no equilíbrio hídrico.
Outro fator-chave, principalmente nessa região, é a construção de hidrelétricas. As usinas de Jirau e Santo Antônio, são presentes no percurso do Rio Madeira, e somente pelo fato delas existirem houve um desvio do fluxo hídrico interrompendo todo o ciclo hidrológico natural da bacia.
A junção de todos esses fatores ocasionou esse intenso período de estiagem na região Norte, que impactou aspectos sociais, econômicos e ambientais, também conhecidos como os pilares da sustentabilidade.
IMPACTOS AMBIENTAIS
Observando os impactos ambientais diretos, podemos citar a mortandade da ictiofauna e dos botos, além da perda de vegetação seguindo de uma suscetibilidade de queimadas.
Além dos milhares de peixes mortos que foram avistados flutuando na superfície das águas, cerda de 140 botos de diferentes espécies foram encontrados mortos, segundo o Instituto Mamirauá. Sendo que a especialista em mamíferos aquáticos Miriam Marmontel diz “É uma coisa que nunca se viu antes, mesmo em outras secas extremas e que não se tem notícias em outros locais ou com outras espécies”. Apesar de estarem correlacionadas, as causas das mortes desses botos ainda estão sendo analisadas.
Dados apontam que ao menos 690km de vegetação estão comprometidos, esse fato colabora com o alastramento de queimadas intencionais. Esse fator foi sentido principalmente em Manaus, no final de setembro, quando a cidade foi infestada por nuvens de fumaça, que segundo a métrica do Selva (Sistema Eletrônico de Vigilância Ambiental) atingiu um nível péssimo de qualidade de ar.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança Climáticas, discorreu sobre esse episódio em Manaus, afirmando que “Há um cruzamento de fatores. O primeiro deles é a grande estiagem provocada pelo El Niño que é agravada pela mudança do clima; matéria orgânica em grande quantidade ressecada; e ateamento de fogo em propriedades particulares e dentro de áreas públicas de forma criminosa”.
IMPACTOS SOCIAIS
Esse evento de incêndios não afetou só o meio ambiente como também toda a população local, dados indicam que Manaus atingiu uma concentração de 499ug/m3 de material particulado no ar, sendo que segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) o valor recomendado é de 5ug/m3. Como consequência da péssima qualidade do ar na cidade, diversas escolas cancelaram aulas externas, como educação física, aconselharam o uso de máscaras e abonaram faltas.
Além disso, diversas comunidades que necessitam dos rios e seus afluentes se encontram isoladas sem água filtrada, alimento e até mesmo combustível. Em consequência desse isolamento, muitas crianças está a mais de um mês sem ir à escola.
Na capital do Acre em torno de quatro mil famílias estão dependendo de caminhões-pipa para o abastecimento de água potável da mesma forma que ocorre na região Nordeste do país.
O pescador e agricultor Raimundo Bezerra de Amaral, mora nas margens do igarapé Paranã de Tefé, afirma que “Em 2010 foi pior no sentido de não ter ficado nada de água, nem pra banho. Agora a gente tem um filete, para banho e para os bichos. Mas em 2010, foram 25 dias assim. Agora já são 40”.
IMPACTOS ECONÔMICOS
Ademais, existem os problemas econômicos, principalmente voltados para os pequenos produtores. A exemplo disso, o governador amazonense Wilson Lima, diagnosticou que mais de 112 mil pescadores serão prejudicados nessa estiagem.
A partir disso, muitas famílias se voltaram à agricultura, porém o clima também não favoreceu essa prática. O agricultor José Veloso Macedo relata “A gente planta hortaliça e verdura. Com a seca, nada prestou. A gente joga água e não presta. A melancia morreu toda. O que resistiu foi o maxixe, feijão, banana e um pouco de cebolinha”.
Outro grande impacto, foi na transportação de produtos e a suspensão da hidrelétrica de Santo Antônio, citada acima. Segundo Luís Fernando Resano, diretor-executivo da Abac (Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem), mais de 60% do que se é transportado no curso do rio Amazonas pode deixar de ser durante esse período.
CONCLUSÃO
Apesar do período ser marcado pela extrema dificuldade e impactos, o rio Madeira apontou uma subida de 30cm, no Humaitá. No Peru, em Tabatinga, cidade próxima a nascente do rio Solimões, já começou a marcar uma subida no seu nível de água. Esse aumento é capaz de refletir em outras regiões, como por exemplo no rio Negro que obtém 70% de água do rio Solimões. Contudo a previsão de ascensão para os demais rios é mais vagarosa, visto que a pesquisadora do SGB, Jussara Cury, prognostica que essa elevação só será sentida em novembro.
Embora todos os impactos descritos aos pilares da sustentabilidade, esse período de estiagem têm mostrado alguns pontos positivos para o âmbito arqueológico. Com a baixa do rio Negro, novas imagens foram reveladas no sítio arqueológico Lajes, que é localizado entre o encontro das águas do rio Negro e Solimões. O sítio existe desde de 1968, porém a última vez que o nível dos rios permitiu a visualização de gravuras como essa foi em 2010.
Essas novas gravuras estão sendo analisadas, entrando, sua similaridade com outros registros em Itacoatiara, sugerem que elas datem do primeiro milênio após Cristo. Moradores da região também relataram que esses blocos de pedras, onde estão as gravuras, remetem à ruínas de uma antiga civilização. (Link: https://vm.tiktok.com/ZMjpkYLEB/)
Referências:
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