Os Bajaus, uma comunidade única do Sudeste Asiático, estão desafiando conceitos científicos tradicionais com suas habilidades excepcionais de mergulho e uma adaptação biológica surpreendente. Com uma população estimada em cerca de um milhão de pessoas, os Bajaus habitam as águas costeiras da Malásia, arquipélago de Sulu nas Filipinas, Mindanau, Bornéu e ilhas indonésias orientais.
Desde a sua menção inicial por Antonio Pigafetta em 1521, os Bajaus, conhecidos como “nômades do mar”, têm vivido e sobrevivido predominantemente da pesca e coleta de crustáceos e elementos naturais para artesanato. Alguns grupos ainda seguem um estilo de vida tradicional, residindo em casas flutuantes ou cabanas sobre palafitas de madeira.
Os Bajaus conseguem mergulhar até 60 metros de profundidade e permanecer submersos por até 13 minutos, utilizando apenas equipamentos rudimentares como máscaras de madeira e cintos de peso. Essa habilidade despertou o interesse da pesquisadora Melissa Llardo, do Centro de Geogenética da Universidade de Copenhague. Em 2018, Llardo publicou um estudo inovador na revista Cell, investigando as adaptações genéticas e fisiológicas que permitem aos Bajaus essas habilidades extraordinárias.
O estudo comparou 59 amostras de saliva de Bajaus com 34 amostras de uma comunidade agrícola vizinha, os Saluan, para análises de DNA e foram realizados exames de ultrassom dos baços, revelando que o órgão dos Bajaus são média 50% maior.
O baço, um órgão responsável por filtrar microorganismos do sangue e produzir células de defesa, também atua como um reservatório de glóbulos vermelhos oxigenados, essenciais para fornecer oxigênio durante longas incursões subaquáticas.
Quando prendemos a respiração, várias mudanças fisiológicas ocorrem em nossos corpos: a frequência cardíaca desacelera, os vasos sanguíneos se contraem e o baço se contrai, liberando glóbulos vermelhos oxigenados para a corrente sanguínea. Assim, quanto maior o baço, maior a quantidade de oxigênio disponível durante a atividade subaquática. Estudos anteriores mostraram que mamíferos marinhos, como focas, também têm baços desproporcionalmente grandes, uma adaptação que parece se aplicar aos Bajaus.
A análise genética identificou 25 diferenças significativas no genoma dos Bajaus em comparação com outros grupos. A descoberta de genes como PDE10A, associados ao tamanho aumentado do baço em camundongo, sugere uma adaptação evolutiva única nos Bajaus. Essa característica não é apenas um resultado do ambiente, mas sim uma vantagem genética desenvolvida ao longo de milênios de seleção natural.
“Os Bajaus são quase como super-humanos vivendo entre nós, com capacidades verdadeiramente extraordinárias”, comenta Melissa Llardo. “A seleção natural é uma força poderosa que moldou essas adaptações e pode oferecer percepções valiosos para tratamentos futuros de distúrbios respiratórios.”
Essas descobertas destacam não apenas a extraordinária adaptabilidade dos Bajaus, mas também a importância de explorar a seleção natural em populações humanas modernas. O estudo lança luz sobre a complexidade da evolução humana e oferece perspectivas promissoras para a pesquisa médica e biológica futura.
Este estudo não só honra a curiosidade inerente dos Bajaus, mas também promete estreitar a lacuna entre a ciência ocidental e os conhecimentos tradicionais das comunidades indígenas, celebrando a rica diversidade e resiliência humana no mundo moderno.
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